Os dois primeiros dias do Primavera Sound pertenceram a Patti Smith, que nos brindou com dois concertos memoráveis. Já Antony Hagarty elevou o palco NOS a um género de pedestal musical, e a grande festa da noite esteve a cargo da paleta sonora dos Jungle.
Mas a ansiedade anunciava o final de tarde perfeito, e eis que quatro décadas depois, Horses continua a provar-se transversal a todas as gerações e gostos, numa pura consciência humana através de melodias eternas. Patti Smith e a sua banda, invadiram o palco principal e tocaram o disco na íntegra do lado A ao B com apontamentos sociais, críticos e encorajadores, que deixaram a voz do público insurgir-se em concordância.
Horses é um disco que ainda hoje faz sentido, e condiz bem com a consciência desta nossa “geração à rasca”, muitas vezes pouco desenrascada. Mas como a Patti ensinou e bem, People Have the Power.
Temas como Gloria e Birdland desfilaram num tapete musical emotivo, mas tudo ganha uma profundidade bem mais intensa algumas canções depois; Patti dedica Break it Up a Jim Morrison, e relembra que Elegie foi escrita em memória de Jimi Hendrix , acrescentando: «todas as pessoas que amámos e perdemos, saibam que esta canção está a ser cantada para elas».
Esta foi uma actuação que nos relembra que a voz e a palavra (dita, escrita e cantada) tem força – e que essa força é urgente, não no passado nem no futuro, mas agora.
Sempre brindada com aplausos ao rubro no fim de cada tema, Patti Smith agradeceu e elogiou o festival, confessando esperar um novo convite no futuro. O fim chegou com os clássicos Because the Night e People Have the Power, temas que foram acompanhados pelas cerca de 30 mil vozes que se encontravam no Parque da Cidade do Porto.
José Gonzalez no NOS Primavera Sound 2015 |
Depois de Patti ter pincelado a ouro o palco NOS, foi tempo de José Gonzalez pincelar a doçura o palco Super Bock. Apesar de a hora ter sido mais propícia a pizza e hambúrgueres do que a música, a verdade é que ainda assim milhares de pessoas assistiram ao concerto do terno José.
Crosses abre o repertório, a solo em palco, e logo a seguir entrou o resto da banda; «please, welcome my band», pede tímido – e ainda bem que entraram em cena, para avivar um pouco mais o ambiente.
Não se pode exigir muito ritmo a Gonzalez; quem o conhece sabe o quão intimista consegue ser, e acima de tudo conhece-lhe o teor melódico e contemplativo do seu estilo. Contudo, temos de referenciar o facto de não ter sido a melhor banda sonora para a hora de jantar. Muitas conversas dispersas no ar abafavam os temas do novo disco, Vestiges and Claws, numa actuação que nos deu a sensação de estarmos num qualquer convívio social com uma boa música de fundo, apenas.
Ainda assim, a cover de Teardrop deixou-se ouvir, e José Gonzalez merece todo o respeito do mundo por manter a ternura em palco, sendo um daqueles artistas que deixa sempre sabor a pouco e uma vontade tremenda de se voltar a ver.
The Replacements no NOS Primavera Sound 2015 |
Depois de Electric Wizard, encaixar na boa disposição dos Belle & Sebastian não foi fácil. Mas após o começo com Nobody’s Empire, foi fácil conquistar o gigante público – primeira enchente do dia, que aconteceu para ver estes escoceses sem medo de palco.
Uma autêntica festa on stage, passando por temas vários de Dear Catastrophe Waitress e Write About Love.
Belle and Sebastian no NOS Primavera Sound |
Contudo, este dia parecia estar destinado a ser mais contemplativo e profundo do que propriamente festivo e energético. Depois da consciencialização de Patti, a melancolia de Gonzalez, e o peso de Electric Wizard, o verdadeiro clímax espiritual ainda estava por chegar…
Não há palco que chegue para Anthony and the Johnsons, ou melhor, para Anthony Hagarty. Megalómano surge aqui como metáfora para o descrever, sem ofensa de todo, muito pelo contrário!
Aqui não há espaço para respirar. Por vezes sufocava o cenário que Anthony apresentou neste Primavera Sound em pleno Porto; a orquestra revestida a branco, conduzida por um maestro entregue à causa, a juntar às imagens perturbadoras do filme "Mr. O's Book of the Dead" por Chiaki Nagano.
Um espectáculo pautado por silêncios difíceis de conseguir num festival, contando com canções do álbum I Am a Bird Now como Hope There's Someone e You Are My Sister, passando por Blind (Hercules and the Love Affair), Ghost e Cripple and the Starfish.
Anthony Hagarty alcança uma intensidade musical que invade a alma de qualquer pessoa. Fica a dúvida se um festival como este é o mais adequado para esta instalação musical que merece não um palco, mas um pedestal por inventar ainda.
Jungle no NOS Primavera Sound 2015 |
Findo o concerto mais surreal desta edição, eis que Run The Jewels, Jungle e Ariel Pink tocaram pela mesma hora. A escolha foi difícil, mas surgiu naturalmente como só a boa música o sabe fazer acontecer – Jungle foi pura comoção a várias cores!
T e J (Tom McFarland e Josh Lloyd-Watson) cozinharam esta receita multicolor, numa explosão de sonoridades – desde o soul ao funk, passando pela electrónica e o dance music – numa brincadeira que de inocente, não tem nada.
Sete elementos em palco, num jogo perigoso para quem acaba de sair de uma introspecção soberba a cargo de Anthony. O colectivo Jungle fez-nos passar da pura catarse à total libertação interior traduzida numa dança pegada desde o minuto zero.
Um track listing cheio de groove, desde Julia, passando por Lucky I got What I Want, os singles The Heat e Platoon, e a maravilhosa Time – não houve vivalma que se mantivesse de pés assentes no chão! Milhares dançavam de sorriso no rosto, e quando o fim chegou, o público recusou que a festa terminasse. Aplausos, assobios, gritos – ninguém arredou pé na esperança de um encore. Mas a verdade é que Jungle não voltaram mais. (Aguardamos por uma nova vinda a palcos portugueses, por favor!)
Se o old school é a nova “cena”, bem-vindos sejam os Jungle então, pois este batido de cores, sons e tons veio para refrescar os ouvidos de qualquer amante de (pura) música.
Era então hora de ir descansar o esqueleto, porque o último dia iria exigir-nos que fizéssemos uma paragem, mais cedo, na tal Estação de Serviço especial… curiosos?
GALERIAS FOTOGRÁFICAS
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Banda do Mar |
Giant Sand |
Viet Cong |
José Gonzalez |
The Replacements |
Belle and Sebastian |
Jungle |
Fotografia: José Ribeiro
Texto: Li Alves
Vê aqui as Reportagens completas:Texto: Li Alves
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