Há precisamente 40 anos, a 29 de março de 1974, realizou-se
num Coliseu dos Recreios esgotado o I Encontro da Canção Portuguesa,
organizado pela Casa da Imprensa. Em 1974, a poucas horas do evento, a
organização ainda não sabia se o espetáculo seria autorizado pelo regime
e, quando finalmente veio a permissão, esta surgiu na condição de que
músicas de José Afonso como "Venham Mais Cinco", "Menina dos Olhos
Tristes" ou "A Morte Saiu à Rua" não poderiam ser interpretadas.
Nesse espetáculo histórico participaram, para além
de José Afonso, músicos e autores como Adriano Correia de Oliveira, José
Carlos Ary dos Santos, Carlos Paredes, Fernando Alvim, Fernando Tordo,
José Jorge Letria, José Barata Moura, o grupo Introito (de Nuno Gomes
dos Santos) e Manuel José Soares.
O espetáculo foi considerado na altura como um ato
de resistência à ditadura e contou com um forte dispositivo policial,
que vigiou as cerca de cinco mil pessoas que esgotaram o Coliseu. Tal
não impediu que a canção "Grândola, Vila Morena" ecoasse espontaneamente
pelo público, como ato de resistência.
40 anos depois, num contexto distinto mas que nos
apresenta outros desafios, procurou-se recuperar o espírito que presidiu
ao I Encontro da Canção Portuguesa, numa celebração da música e da
liberdade que contou com a participação de diversos músicos e autores...
e que voltou a esgotar o Coliseu dos Recreios.
O espetáculo abriu com a projeção de várias imagens
do espetáculo de 1974, a que se seguiu a interpretação de Filipa Pais da
"Utopia" de José Afonso. Seguiram-se Amílcar Vasques-Dias (ao piano) e
Luís Pacheco Cunha (no violino), com interpretações de José Afonso e
Federico García Lorca. João Afonso, sobrinho de José Afonso, subiu ao
palco e interpretou músicas do seu tio e da sua própria autoria. Júlio
Pereira e o seu cavaquinho animaram o Coliseu e Janita Salomé
interpretou "Roseira Brava Roseira".
Apesar das transições entre músicos serem bastante
rápidas, o público aproveitou estes momentos para recuperar, de forma
espontânea, canções de intervenção de há algumas décadas, gerando
momentos verdadeiramente arrepiantes em que a sala do Coliseu ecoou,
quase a uma só voz, cantigas com mensagens políticas.
José Fanha recitou poesia de Ary dos Santos e Carlos
Alberto Moniz brindou o público com "Resistir de Novo" e "E Um Dia
Fez-se Abril". Amélia Muge, António Portanet, os Couple Coffee (Luanda
Cozetti e Norton Daielo), Francisco Fanhais, Luísa Amaro e Gonçalo Lopes
marcaram também presença neste espetáculo. Já bem para lá da meia
noite, Sérgio Godinho e Zeca Medeiros também subiram ao palco e deram o
seu contributo para esta grandiosa celebração.
O espetáculo fechou com uma interpretação de
"Grândola Vila Morena", com todos os músicos e autores em palco e um
público a cantar quase em uníssono a senha da revolução, que fechou uma
noite longa mas que terá sido, certamente, inesquecível para todos e
particularmente repleta de emoções para aqueles que estiveram presentes,
há 40 anos, no I Encontro da Canção Portuguesa.
Texto e Fotografia: Nuno Pires