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LENINE @ ESPAÇO BRASIL


Menos de um século separa o ano de nascimento de Lenine, o revolucionário chefe russo, de Lenine, o cantor e compositor. Em comum têm o nome e a barba e se um usava as palavras para teorizar sobre correntes políticas, o outro usa-as para escrever letras maravilhosas, com um requinte peculiar.

O professor da Academia Pernambuca de Letras, em semana dedicada às Joias da MPB, atua no Espaço Brasil, em dose dupla, num fim-de-semana que tinha tudo para ser de calor e sol, mas não foi. No Recife estava calor, mas em Lisboa nem por isso. No Recife choveu, mas em Lisboa não. Menos mal. 

Foi na Lx Factory, em Lisboa, mesmo por baixo da ponte 25 de Abril, que Lenine leva a palco o último espetáculo da tournée “The Bridge” que viajou antes por países como a Holanda e Alemanha. Tendo como pano de fundo a orquestra do maestro holandês Martin Fondse.

Para quem é espetador dos concertos no Espaço Brasil notava à entrada que aquele seria um concerto muito especial e incomum: na bilheteira encontrava-se já um aviso de que o concerto estava esgotado, na sala os lugares sentados tinham triplicado, só os instrumentos enchiam o palco. Faltavam os músicos. 

A orquestra entrou, tocou um instrumental. Depois Lenine, ainda não se via, mas já se ouvia o músico que entrou pelo lado esquerdo do palco. “A ponte” foi só o início de um concerto em que grande parte das músicas o público sabia de cor. E Lenine perguntava “Como é qui faz prá sair daqui?” ao qual o público respondia “Pela pontxi! Pela pontxi!”. 

Já de guitarra na mão, tocaram músicas como “A rede” de 2006 e “Chão” que dá nome ao último álbum que já data de 2011. Por entre o público ia-se ouvindo expressões como “Ele é fantástico, e tem muito boa energia”. E não é para mais. Lenine está em forma, sempre muito expressivo, sempre a sentir a música, sempre com boa vibe, e nem o facto de estar em palco com músicos “de academia”, como ele os chamou, o intimidou. “Ganhei aqui uma família” rematou ele. 

Seguiu-se “O dia em que faremos contato” e “Paciência”, aquela que tanta falta faz aos homens para que coabitem na mesma galáxia em paz. Diz Lenine que “A galáxia está em guerra, só existe paz aqui na Terra”. Paz aqui na Terra, Lenine?

Em “Miragem do Porto”, criou-se um ambiente de mar, praia, navios, barcos, marinheiros e marinheiras. O comandante do navio foi durante grande parte do espetáculo o maestro da fantástica orquestra cosmopolita. De braços no ar, as ordens dirigidas do lado esquerdo do palco rapidamente se faziam sentir do outro lado onde se encontravam o clarinete, o saxofone, oboé e violino. 

A orquestra descansou, em “Virou Areia”, mas Martin, o maestro holandês, fez questão de dizer, num português totalmente percetível que “o legendário Lenine irá tocar agora sozinho, mas será igualmente bom”. Arrancou uma gargalhada ao público que ia cantando e balanceando nas cadeiras. Com a luz de fundo de um vermelho intenso chegou a vez da divertida “Relampiano”, do álbum Na pressão de 2000, que volta a ser reproduzida em Perfil de 2009 onde são reunidas as melhores de Lenine. 

Não seria um concerto de Lenine, se não fosse ouvida “Martelo Bigorna”, faixa com a qual em 2009 o cantor recebeu um Grammy Latino para melhor canção brasileira. Os presentes que enchiam a sala não se cansavam de cantar. Público fiel este, que conhece de cor todas as músicas. 

Continuou com “Rosebud” e “Gandaia das Ondas” esta última constituiu, sem dúvida, o momento mais intimista da noite, enquanto Lenine cantava à capela. O animal de palco encarnado no homem de camisa branca larga, a contrastar com a música anterior, ganhou na batalha entre a sua guitarra e a bateria do homem de casaco laranja, foi ao som de “Leão do Norte” que tudo aconteceu. 

“O Silêncio das Estrelas” foi na teoria a última. Mas Lenine fez questão de dizer que “nós íamos sair, vocês iam pedir e nós íamos voltar. Não vale a pena cortar”. O público gostou da ideia e grande foi o aplauso. Martin volta a pegar no piano de sopro e juntamente com Lenine tocaram “Amor é prá quem ama”, a mais apaixonante da noite que aqueceu o coração dos mais apaixonados. 

“Jack Soul Brasileiro”, num gesto espontâneo mas que quase parecia ter sido muito combinado, o público levanta-se, canta e dança. Tira fotos com todo aquele palco cheio de talento como pano de fundo. Ninguém quer esquecer. Todos querem uma recordação de um dos grandes concertos que tiveram lugar no Espaço Brasil nos últimos tempos.

Alinhamento: Lenine @ Espaço Brasil

Durante a semana, várias foram as Joias que passaram no Espaço da LX Factory, mas a pedra preciosa foi deixada para o fim. Não é para mais! Lenine (o cantor, não “o outro”) com álbuns gravados há mais de 3 décadas, quando mais de metade do público que o escutou por estes dias, ainda não era nascido. É bom sinal, é sinal de que as suas músicas são transversais, intemporais e capazes de atravessar gerações.

Data: 2013-05-25
Fotografia: Henrique Frazão
Texto: Ana Rita Sousa